A pesquisa, da qual resulta esta dissertação, se propôs a ouvir as memórias de psicólogos
clínicos, que durante a pandemia de COVID-19, passaram a atender de modo online ou remoto,
confiando na possibilidade de criação de espaços de compartilhamento de experiências, que
colocassem em risco determinados modos de fazer clínica. Na tentativa de encontrar
porosidade, em meio às cristalizações e engessamentos reativos, advindos dos confrontos, com
as novas disposições de realidade, a que o vírus nos expôs, buscou-se ter notícias, de que modo,
as escutas se abalaram com a Pandemia-Acontecimento e seu caráter intempestivo. Amparado
no trabalho com a memória, imagem e montagem de inspiração benjaminianas, em diálogo com
as noções de cuidado de si, em Michel Foucault e de processos coletivos de singularização, em
Deleuze e Guattari, problematizou-se os processos de subjetivação contemporâneos e seus
efeitos sobre o fazer clínico no contexto pandêmico brasileiro. A memória que buscou-se
retomar, através da escuta fio-a-fio, exercício muito próximo ao que se dá no encontro clínico,
se inspira na artesania e na abertura ao encontro com o outro, em sua potência de ato criativo e
imprevisto. Em uma proposta de escrita que não teve a intenção de explicar ou inventariar algo
para a posterioridade, mas que buscou abrir um rasgo no presente, para que a vida pudesse se
oxigenar, se nutrir de novo e vicejar. Escrita em travessia, que entre as dores e esquecimentos
de nosso tempo, buscou se realizar como um rito de passagem e como um ato de resistência.