Construtor de uma poesia que subverte o real e sublima o ínfimo, Manoel de Barros está entre os mais reconhecidos poetas da literatura brasileira. Desprovida de qualquer didatismo, sua obra transita entre adultos e infantes em edições e em mídias que enaltecem ainda mais a poesia criança – poesia esta que brinca com as palavras e com os temas reminiscentes da infância pantaneira do poeta, de lastros imaginativos e inventivos. Nesta tese, fundamentada nas concepções do crossover fiction, bem como nas noções de reendereçamento literário, demonstramos e analisamos como a poesia de Barros, originalmente produzida para adultos, adaptada a outra mídia em linguagem multimodal, no aplicativo Crianceiras, alcança o público infantil. De natureza quali-interpretativa, este trabalho objetiva se juntar à fortuna crítica do poeta por meio de uma investigação ainda não levantada: a literatura de Manoel de Barros ilustrada e musicada em um dispositivo eletrônico para o público infantil. Para tanto, valemo-nos do conteúdo de entrevistas com Márcio de Camillo, idealizador e responsável pelas musicalizações dos poemas; de Bruna Pligher, membro da equipe produtora do aplicativo, além da entrevista com Martha Barros, ilustradora e filha do poeta. Apontamos também em nosso percurso uma breve consideração sobre o projeto-gráfico e editorial das obras do poeta, o qual serviu de fonte para a escolha da materialidade poética que deu origem ao Projeto Crianceiras Manoel de Barros. Dentre essas obras, duas são catalogadas para o público infantojuvenil, e as demais são destinadas ao público adulto. De maneira geral, as análises, esquematizadas em quatro categorias (Ambientação, Tempo e Movimento; Personagem; Linguagem Textual e imagética; Linguagem sonora), baseadas nos estudos de Nikolajeva, Scott e Linden (2011), recaem sobre o processo e os mecanismos do crossover empregados na adaptação de textos poéticos não endereçados exclusivamente às crianças, exceto os livros O fazedor de amanhecer (2001) e Cantigas por um passarinho à toa (2007b), mas que no app ganham uma dimensão lúdica e atrativa aos olhos infantis. Os resultados revelam que os recursos estéticos e estilísticos oriundos do trabalho cuidadoso e apurado dos artífices do texto verbal, imagético e musical, permitem, assim, que a poesia de Manoel de Barros possa ser experenciada por meio de diversas linguagens e também por públicos de diferentes idades e gostos – o que nos leva ao agrupamento dos estudos sobre a multimodalidade à luz de Kress (2003). O reendereçamento, refletido nesta tese a partir dos pressupostos teóricos da professora Vera Teixeira de Aguiar, com a contribuição do fenômeno do crossover postulado por Sandra Beckett, possibilitou-nos compreender que a virtualização da literatura, quando realizada com compromisso e respeito ao caráter artístico da materialidade literária, é muito importante em nosso cenário a fim de convidar e de seduzir jovens leitores para produções como as de Manoel de Barros, complexa do ponto de vista semântico, mas acessível por aquilo que engendra: a infância revisitada em versos inventados e prenhes de sensibilidades.
Palavras-chave: Aplicativo Crianceiras; Manoel de Barros; Crossover.