No cenário das letras, o final do século XIX e alvorecer do século XX são marcados por
um percurso de mulheres escritoras cujas obras prestigiam um teor de denúncias sobre o
universo feminino. No discurso romanesco de autoria feminina, a subalternidade e a
subserviência são problemáticas originais sustentadas por um variado repertório de
procedimentos góticos, no qual temas como a opressão promovida pelo patriarcado e a
ansiedade e os medos femininos ocupam lugar central. Do encontro entre a escrita
feminina e o gótico resulta um estilo novo, descrito por Ellen Moers (1976) como o
gótico feminino. O gótico e sua atração por emoções consideradas negativas reforçam
sentidos de terror e angústia no drama das personagens. Nesse sentido, as
potencialidades do imaginário do espaço são utilizadas como um importante recurso
figurativo no realce da simbologia gótica. Nesta perspectiva, seguindo tal linha de
pensamento, este estudo procura destacar traços do gótico feminino nos contos “O caso
de Ruth” (1903), de Júlia Lopes de Almeida, e “O jardim selvagem” (1965), de Lygia
Fagundes Telles. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter analítico descritivo e
de cunho comparativo cujo objetivo é investigar como os referidos contos expressam o
horror e o terror na ação das personagens femininas. Para tal, a análise é embasada nos
estudos sobre o gótico e o gótico feminino de autores como Delamotte (1990), França
(2015), Heiland (2004), Hoeveler (1998) e Kristeva (1982). Na abordagem pretendida,
interessa, ainda, observar o diálogo entre literatura e sociedade, atentando-se para o
modo como as duas obras retratam a mulher em contextos patriarcais do final do século
XIX e início do século XX. Para tal investigação, buscamos nos embasar nos estudos de
Jackson (2008), Miles (2001), Perrot (2007) e Priore (2000). Por fim, podemos observar
que os referidos contos apresentam traços do gótico e do feminino, em uma engenhosa
relação com o espaço ficcional, que se configura ora como castrador ora como
libertador. De um modo geral, podemos dizer que Júlia Lopes de Almeida e Lygia
Fagundes Telles, com quase cem anos de diferença entre suas vivências, apresentam
traços ficcionais convergentes como a morte, a opressão, a violência e o terror.