A questão da intraduzibilidade é recorrente nos Estudos da Tradução, frequentemente revisitada
nas discussões acerca da tradução de textos literários, poéticos e filosóficos, para ficar com
apenas alguns exemplos. Temos assim a formação de um certo ‘paradoxo’ onde, em um
extremo, está a ideia de que a tradução é teoricamente impossível e, no outro, de que a tradução
é possível devido a uma estrutura universal da linguagem. Partindo das considerações de
Ricoeur (2011), Berman (2007; 2009) e Cassin (2018) chegamos, não a um discurso do fracasso
da tradução e suas inevitáveis perdas, mas sim ao intraduzível como aquilo que possibilita a
permanência do Outro, sua alteridade e multiplicidade de sentidos. A intraduzibilidade se faz
presente nesta pesquisa como parte essencial da discussão acerca da obra de Guimarães Rosa,
frequentemente descrita como intraduzível, tanto no sentido inter- quanto intra-lingual – isto é,
tanto para quem busca traduzi-lo para outra língua, quanto para quem busca interpretá-lo em
português. Para esta pesquisa, a eleição do conto “Meu tio o Iauaretê” foi feita com base nos
seus aspectos culturais intrinsecamente ligados à mitologia indígena, visíveis principalmente
na forma do léxico nheengatu utilizado ao longo do texto. Esta dissertação visa compreender
como esse elemento virtualmente intraduzível se manifesta nas traduções para o inglês,
realizadas por Giovanni Pontiero (“My Uncle the Jaguar”, 1996) e David Treece (“The Jaguar”,
2001). “Meu tio o Iauaretê” tem como uma de suas principais características o ‘hibridismo’,
tanto linguístico quanto cultural, que não se mostra apenas na originalidade do trabalho
linguístico com o português e o nheengatu, mas no próprio entrelugar em que se encontra o
personagem-narrador, sempre colocado entre duas condições – homem/animal, branco/índio –
mas nunca fixado em alguma delas. Perpassando os estudos antropológicos, nos apoiamos em
Lévi-Strauss (2010) e Viveiros de Castro (2007) para a reconstrução do metassistema das
narrativas mitológicas indígenas brasileiras e ameríndias no qual se encontra a onça/jaguar.
Considerando também os recentes estudos sobre a retradução em uma perspectiva sistêmica,
como proposto por Cadera (2017) e Koskinen e Paloposki (2019), buscamos não nos deter
somente nos textos traduzidos e em seu cotejo com o texto-fonte, mas também dedicar especial
atenção ao contexto histórico e político no qual estão inseridas as traduções e a publicação não
somente dos contos estudados, mas de toda a obra de Guimarães Rosa traduzida para a língua
inglesa. Com a contextualização da tradução de Rosa para o inglês desde os anos 1960, até sua
eventual reintrodução no sistema literário desta língua, e com o apoio do contexto histórico e
político apresentado por Barbosa (1994), Fitz (2005), Liporaci (2013) e Morinaka (2017),
entendemos que será possível compreender melhor as influências sobre o processo de (re)tradução. A partir desta análise, portanto, pretendemos mergulhar nas considerações sobre
o papel do Outro no texto e na tradução, e compreender a tradução não como perda ou traição,
mas como uma aceitação do intraduzível.