Sincronicamente, é fato empírico que a forma de tratamento pronominal VOCÊ se generalizou
em quase todas as regiões do território brasileiro, ocupando a posição sintática de sujeito de
2ªPS. Seja alternando com o TU ou empregado de modo exclusivo, o VOCÊ brasileiro carrega
em sua estrutura valor semântico híbrido e permeia os variados eixos das relações interpessoais.
Numa perspectiva histórica da língua, mapear as etapas do processo de implementação da forma
inovadora no sistema linguístico e social do português brasileiro seria uma tarefa desafiadora e
ao mesmo tempo relevante para se compreender melhor a configuração atual do idioma
nacionalizado. Deste modo, o estudo que aqui se propõe detém um caráter quantitativo-
qualitativo e objetiva operacionalizar uma análise sobre o comportamento sintático dos modos
de dizer tradicionais à expressão de sujeito em 2ªPS (VOCÊ/TU). Para isso, destacou-se do
estudo de Ataíde e Lima (2018) uma amostra de textos composta por 22 cartas de amor,
produzidas na segunda metade do século XX (1956-1958), por um jovem casal apaixonado não-
ilustres, oriundo do alto sertão pernambucano. Como ferramentas teórico-metodológicas,
articulou-se a tríade da Teoria da Variação e Mudança Linguística (LABOV, 2008 [1972];
WEINREICHE, U., LABOV, W. HERZOG, M. 2006 [1968]), associada à perspectiva europeia
da Sociolinguística Histórica (CONDE-SILVESTRE; ROMAINE, 1985), e ao modelo das
Tradições Discursivas (KABATEK, 2006). Para os fatores intra e extra-linguístico de análise,
determinou-se: (I) formas concretas de realização do sujeito; (II) tipo de realização concreta do
sujeito (Preenchido e não-preenchido); (III) paradigma de organização morfossintática das
formas (nível da concordância); (IV) fator sexo/gênero dos escreventes e (V) exclusividade ou
mistura das formas pronominais na composição de cada carta. Os resultados encontrados
apontam que (I) tradicionalmente, os materiais se apresentam com a estrutura composicional
dos gêneros epistolares; (II) os vocativos empregados ao longo dos anos na escrita de R. e M.
reflete os contextos de produção dos textos e expõem os diferentes estágios da relação do casal;
(III) no enredo temático das cartas, identificam-se marcas de emocionalidade e intimidade que
funcionam como um parâmetro de proximidade comunicativa e é eficaz para a classificação
desse subgênero em oposição às cartas de casais. (IV) O uso de marcadores conversacionais
como “Olhe” e o emprego do vocativo nominal próprio M. aludem a transição temática na
conversa escrita, bem como deixam resquícios da oralidade na escrituralidade do texto. (V) no
tocante à frequência de uso das formas pronominais VOCÊ e TU ocupando a posição sintática
de sujeito, observa-se que ambas se apresentam com frequência proporcional na escrita do
missivista do sexo/gênero masculino (VC=51% e TU=49%), enquanto a remetente do
sexo/gênero feminino compõe seu único texto resgatado com uso exclusivo de TU. (VI)
percebeu-se que ambas as formas variantes apresentam-se na posição sintática de sujeito,
preferencialmente, como sujeito-preechido; (VII) no fator composicinalidade das missivas,
constatou-se que o remetente compõem suas cartas com o uso do subsistema VOCÊ/TU (46%),
seguido pelo uso de VOCÊ exclusivo (23%) e TU exclusivo (14%); (VIII) No controle do fator
padrão de organização morfossintática (nível concordância), observou-se a recorrência de três
formas conjugais à 2ªPS: a) VOCÊ em concordância com a 3ªPS (50%), b) TU em concordância
com a 2PS (38%) e c) TU em concordância com a 3ªPS (12%).