O presente trabalho analisou a atual configuração das principais redes do setor
supermercadista no município do Rio de Janeiro e a inter-relação entre sua distribuição
sócio-espacial com demais dinâmicas da cidade. A pesquisa se valeu da construção de
uma base de dados com informações sobre as 20 redes de principal presença na capital
fluminense, bem como de trabalho de campo englobando todas as suas Regiões
Administrativas. O estudo é realizado a partir de um duplo movimento, à luz do
entendimento da espacialidade como uma encruzilhada de trajetórias. A dinâmica do
setor é parte constituinte da sócio-espacialidade e a análise do varejo alimentar ajuda a
compreender o espaço urbano. Assim, por um lado, apresento o histórico do
supermercadismo no Brasil e especialmente no Rio de Janeiro, apontando suas
principais tendências atuais, como uma expressiva expansão para regiões onde antes os
supermercados eram menos expressivos. Esta expansão caracteriza-se não apenas pela
presença de grandes redes chamadas corporações como também das chamadas redes
regionais e redes associativistas. Por outro lado, o estudo apreende a capital fluminense
em sua sócio-espacialidade, por entender que as dinâmicas prévias das regiões
contribuem para a compreensão da atual sócio-espacialização das empresas e do varejo
alimentar. Como resultado da análise, tem-se que as redes de supermercado distribuem-
se diferentemente pelo território carioca e estabelecem práticas comerciais distintas com
implicações potenciais para os hábitos alimentares das populações. Esse modelo se
espraia como produto e indutor de desigualdades na provisão de alimentos, dada a
seletividade espacial dos atores privados do abastecimento e de suas práticas. Este
movimento de expansão relaciona-se com dinâmicas prévias de segregação sócio-
espacial, marcadas pelas dimensões de centro-periferia, processos de favelização e de
existência de multicentralidades em regiões distantes do núcleo central da capital
fluminense. Ao analisar o avanço do controle privado sob o abastecimento alimentar em
paralelo à atual organização de políticas e equipamentos de varejo públicos ou por ele
ordenado, tem-se como resultado a insuficiente e desigual disponibilidade de
equipamentos públicos e de políticas de abastecimento, como as feiras livres, orgânicas
e agroecológicas. Como em outras esferas da questão urbana, é crescente aqui o
predomínio de uma lógica empresarialista de cidade e a forma como os alimentos são
comercializados deve ser entendida como mais um elemento da privatização do espaço
urbano. Por fim, buscou-se apreender a relação entre a organização sócio-espacial do
supermercadismo com práticas varejistas informais de alimentos, sendo importante
destacar que permanecem manifestas expressões informais de varejo alimentar,
integrantes de um circuito inferior da economia, que interagem sócio-espacialmente
com os equipamentos formais. Embora abordagens teóricas que privilegiam em sua
análise a escala macro auxiliem na compreensão do movimento supermercadista na
cidade como integrante de um processo global do varejo alimentar e do regime
alimentar corporativo, não explicam por completo o conjunto de elementos verificados,
haja vista as especificidades tanto do setor supermercadista, como da capital
fluminense. Isto revela a necessidade de uma abordagem multiescalar, que olhe as
desigualdades alimentares orientadas por uma abordagem interseccional, e que
incorpore na análise dinâmicas “locais” e “territoriais”, sem, contudo, associá-las a
dimensões “éticas” e “alternativas” como sugere parte da literatura do Norte Global.