Resumo:
O homeschooling (HS) é um movimento de origem norte-americana que desde os anos 1960 luta pelo direito dos pais de retirarem seus filhos de instituições escolares para ensiná-los em casa. Em seu início, mantinha relações com ideais anarquistas, mas logo foi cooptado pelas correntes do neoconservadorismo e do neoliberalismo. Desde então, as motivações para sua adoção passam pelo descontentamento com o sistema escolar e pelo desejo de ter amplo controle do processo educativo de seus filhos. A prática chega ao Brasil por meio de missionários protestantes no final do século passado, passa por um longo período de inércia e alcança o debate público com a ascensão da nova direita, que é banhado nas mesmas águas ideológicas do homeschooling. Partindo do pressuposto que existe um grupo de atores que agem de forma coordenada e guiados por crenças que compartilham, entendemos que no Brasil existe uma coalizão, nos termos do Modelo de Coalizões de Defesa, pró-HS. Diante disso, buscamos investigar possíveis semelhanças e diferenças entre as crenças, as formas de atuação e nos argumentos utilizados pela coalizão que advoga em defesa da legalização e implementação do homeschooling. Em relação à metodologia, realizamos uma pesquisa qualitativa de cunho documental. Dessa forma, selecionamos materiais produzidos pela coalizão ou que tinham potencial de apresentarem dados importantes sobre ela, como projetos de leis, notas taquigráficas de audiências públicas e posts de redes sociais. Para o processo analítico foi lançado mão da Análise de Conteúdo, dos preceitos do neoconservadorismo e do neoliberalismo e das categorias de análise do Modelo de Coalizões de Defesa trabalhadas. Os resultados indicam que as crenças da coalizão se sustentam em três pilares: nas noções de liberdade, de família e de responsabilização. Elas apresentam forte e íntima relação com as marcas neoconservadoras e neoliberais, o que coloca o homeschooling dentro do campo das políticas educacionais guiadas por valores mercadológicos e moralizantes. Nesse sentido, identificamos que o HS leva à exaltação de uma liberdade individual e irrestrita, à promoção da família tradicional, à objetificação das crianças e adolescentes, à transferência de responsabilidade de um direito social e a valorização de princípios meritocráticos. Além disso, a coalizão usa de diferentes estratégias para materializar suas crenças e alcançar seus objetivos, concentrando-se especialmente nos na esfera política, com a apresentação de projetos de leis, e na esfera social, buscando aprovação pública da pauta. Ainda, analisamos os argumentos adotados. Eles atuam como forma de convencer a opinião pública sobre os supostos benefícios da prática e contra argumentam as críticas levantadas pela coalizão contrária. Por fim, entendemos que o homeschooling tem potencial para colocar em risco o direito à educação e a ideia de construção coletiva visando a convivência em sociedade democrática.