Tomando o campo das artes como esfera de manifestação e propagação de saberes, a presente
pesquisa volta-se para o discurso artístico-musical em sua dimensão política, problematizando
as vozes que emergem de canções do gênero pop internacional e questionando seus efeitos de
sentido na sociedade contemporânea. Partindo de um saber de igualdade, fundamentado na
conquista de alguns direitos pelas mulheres, a pesquisa ambiciona investigar as manifestações
da linguagem musical em seu caráter denunciativo e político. Por isso, temos como objetivo
analisar, nas manifestações artísticas do gênero pop internacional performadas por mulheres,
como os sujeitos femininos produzem uma crítica discursiva, fazendo emergir uma
descontinuidade nos modos de representação e subjetivação feminina. Ao mesmo tempo,
também pretende-se investigar e dar visibilidade ao modo como os corpos reagem às
manifestações de poder, isto é, o modo como resistem, se opõem e desobedecem aos princípios
androcêntricos, fazendo surgir representações femininas distintas daquelas produzidas por
mãos masculinas. Para tanto, foram escolhidas oito canções, selecionadas a partir de uma
delimitação de enunciados dispostos no arquivo do feminismo contemporâneo, datadas de 2010
a 2021 e de autoria distinta. São elas: The Man, de Taylor Swift; If I Were a Boy, de Beyoncé;
Woman’s World, do grupo Little Mix; Ain’t Your Mama, de Jennifer Lopez; Woman, de Kesha;
Flawless (feat. Chimamanda Ngozi Adichie), de Beyoncé; Most Girls, de Hailee Steinfeld e
Build a Bitch, de Bella Poarch. A escolha destas para a composição do corpus justifica-se pelo
contraste que demonstram entre homens e mulheres na sociedade, denunciando práticas
disciplinares que visam tornar os corpos femininos dóceis no modo de expressar seus
sentimentos e emoções, bem como na forma como se vestem e se portam. Teórica e
metodologicamente vinculada aos Estudos Discursivos Foucaultianos, esta pesquisa tem como
base os escritos de Michel Foucault (2004, 2011, 2014a, 2014b, 2020a, 2020b, 2021). Para
empreender uma investigação que se volta para as relações de poder-saber, realizamos uma
arqueogenealogia, analisando as materialidades verbais das letras das canções, tomando-as
como enunciados. Dessa forma, lidas do ponto de vista das ciências da linguagem, as
contribuições do pensador francês estarão em diálogo com outros estudos, marcando o caráter
transdisciplinar desta pesquisa, que estabelece um diálogo com as demais ciências humanas e
sociais. Assim, autores como Pierre Bourdieu (2015) e teóricas feministas como Margaret
McLaren (2016), Michele Perrot (2019), Margaret Rago (2013), Angela Davis (2016), bell
hooks (2019, 2020), entre outros que tratam da cultura pop, como Janotti Júnior (2006, 2015) e
Soares (2015), são fundamentais para a discussão que desenvolvemos. Com este
empreendimento, explicitamos o jugo desigual presente na sociedade contemporânea, de modo
a verificar e atestar o exercício de práticas machistas e opressoras construídas histórica, social
e culturalmente, que visam subjugar a mulher e diminuí-la. Mais precisamente, através das
canções selecionadas, objetivamos demonstrar como os sujeitos femininos produzem uma
crítica discursiva, fazendo emergir uma descontinuidade nos modos de representação e
subjetivação feminina. Os resultados, que explicitam o protagonismo feminismo mesmo diante
do exercício do machismo em práticas de interdição na atualidade, apontam para a resistência
feminina – nas mais diversas dimensões, públicas e privadas – atrelada a uma técnica do
cuidado de si, caracterizada por nós como canto de si, em uma atualização das categorias
foucaultianas.