O infarto agudo do miocárdio (IAM) é considerado a principal causa de
insuficiência cardíaca (IC). Acredita-se que o estresse oxidativo desempenhe um
papel crucial no miocárdio adjacente à área infartada e na progressão do
remodelamento ventricular esquerdo. Aos 7 dias pós-IAM, a diminuição da
contratilidade miocárdica está associada a alterações no manuseio de cálcio
(Ca2+) e das espécies reativas de oxigênio (ERO). No entanto, o impacto da ERO
mitocondrial como fonte na disfunção contrátil durante a fase inicial do IAM ainda
não está totalmente elucidada. Nossa hipótese é que o tratamento com
antioxidante mitocondrial MitoQ por 7 dias após o IAM melhorará a função
contrátil dependente da redução na produção de ERO mitocondrial na fase
aguda do IAM. Portanto, nosso objetivo foi analisar o efeito do tratamento,
durante 7 dias, com o antioxidante específico mitocondrial, MitoQ, sobre a
disfunção contrátil na fase aguda após IAM em ratos. Ratos Wistar com 12
semanas de idade foram divididos em Sham, Infarto, Sham MitoQ e Infarto MitoQ
(CEUA-UFES 16/2021). Ao final do tratamento com MitoQ por 7 dias em água
potável (100 μM), foram realizadas as análises da contratilidade miocárdica “in
vivo” nos parâmetros hemodinâmicos e “in vitro” medida em músculos papilares
isolados adjacentes a cicatriz do infarto da parede livre do ventrículo esquerdo
(VE) com comprimento de músculo no qual a tensão ativa é máxima (Lmáx); na
presença de diferentes concentrações extracelular de MitoQ; Ca2+ e
isoproterenol. Cardiomiócitos isolados do VE remanescente ao infarto foram
usados para as medidas de parâmetros morfológicos, temporais da função
contrátil e o transiente de Ca2+
. A produção de ânion superóxido (O2
•-
) foi
quantificada usando Didrohetídio (DHE) e O2
• mitocondrial usando MitoSox Red.
A análise estatística usada foi ANOVA duas vias e post-hoc de Tukey’s e test t
student, para p<0,05. O tratamento com MitoQ não modificou a área de infarto.
No entanto, evitou a diminuição no ganho de peso corporal e preveniu as
alterações hemodinâmicas observadas no grupo infarto nos seguintes
parâmetros: pressão arterial sistólica (PAS) (Sham: 113 ± 3; Infarto: 93 ± 4; Sham
MitoQ: 108 ± 4; Infarto MitoQ: 108 ± 3*, mmHg *p<0,05); pressão arterial
diastólica (PAD) (Sham: 84 ± 3; Infarto: 68 ± 3, Sham MitoQ: 81 ± 3; Infarto MitoQ:
108 ± 3*, mmHg *p<0,05); pressão sistólica do ventrículo esquerdo (PSVE)
(Sham: 116 ± 4,5; Infarto: 79 ± 2,7; Sham MitoQ: 115,8 ± 6; Infarto MitoQ: 100 ±
4,4*, mmHg *p<0,05); pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDfVE)
(Sham: 5 ± 0,4; Infarto: 10 ± 1; Sham MitoQ: 3 ± 1; Infarto MitoQ: 5 ± 0,5*, mmHg*
p<0,05); primeira derivada de pressão máxima (dP/dt máx) (Sham: 3993 ± 199;
Infarto: 2480 ± 58; Sham MitoQ: 3326 ± 265; Infarto MitoQ: 2738 ± 103*, mmHg/s
*p<0,05) e primeira derivada de pressão mínima (dP/dtmin) (Sham: -3273 ± 227;
Infarto: -1486 ± 41; Sham MitoQ: -2703 ± 88; Infarto MitoQ: -2083 ± 88*, mmHg/s
*p<0,05). O tratamento com MitoQ (100 uM) por 7 dias, foi capaz de prevenir a
redução da força isométrica basal de contração dos animais do grupo Infarto
(Sham: 0,56 ± 0,06; Infarto: 0,29 ± 0,05; Sham MitoQ: 0,47 ± 0,07; Infarto MitoQ:
0,73 ± 0,08* g/mg *p<0,05), a redução da derivada positiva máxima da força
(+dF/dtmáx) (Sham: 25 ± 2,18; Infarto: 14,43 ± 2,20; Sham MitoQ: 16,88 ± 2,16;
Infarto MitoQ: 24,17 ± 1,75 g/g/s *p<0,05) e a redução da contratilidade ao influxo
de Ca2+ extracelular (1,25 mM – Sham: 444 ± 49,86; Infarto: 229,83 ± 68,28;
Sham MitoQ: 357,38 ± 29,97; Infarto MitoQ: 640,17 ± 60,9*, g/g *p<0,05). As
análises morfométricas mostraram que o tratamento com MitoQ impediu o
aumento da área celular (Sham: 3846 ± 105; Infarto: 4309 ± 107; Sham MitoQ:
4107 ± 134; Infarto MitoQ: 3782 ± 116*, μ
2
*p<0,05) e aumento do comprimento
celular (Sham: 141 ± 2.8; Infarto: 153 ± 1,95, Sham MitoQ: 144 ± 2,25; Infarto
MitoQ: 137 ± 2,25* μm, *p<0,05) de cardiomiócitos no estágio inicial do IAM. As
análises de contratilidade dos cardiomiócitos mostraram um aumento dos
parâmetros no grupo Infarto, que foram evitados pelo tratamento com MitoQ,
como no encurtamento dos cardiomiócitos (Sham: 610 ± 26; Infarto: 815 ± 30;
Sham MitoQ: 653,5 ± 25; Infarto MitoQ: 553,6 ± 30*, μm2
*p<0,05). O tratamento
com MitoQ impediu o aumento da amplitude do transiente de [Ca2+]i (Sham: 2,58
± 0,04; Infarto: 3,15 ± 0,07; Sham MitoQ: 2,65 ± 0,08; Infarto MitoQ: 2,30 ± 0,05*,
F/F0 *p<0,05). Adicionalmente as alterações de contratilidade miocárdica, a
produção in situ de O2
•-
, demonstrada pela intensidade de fluorescência, foi
maior no grupo Infarto, mas o tratamento com MitoQ por 7 dias impediu esse
aumento da ERO. A formação de O2
•- mitocondrial em cardiomiócitos isolados
foi maior no grupo Infarto em comparação com o grupo Sham (p<0,01), e o
tratamento com MitoQ restaurou a homeostase redox. Nossos resultados
demonstraram que o tratamento com MitoQ preveniu a disfunção contrátil no
músculo papilar adjacente a área de cicatriz do infarto, confirmando um
envolvimento da participação do ERO mitocondrial no desenvolvimento da IC
após o IAM. Desta forma, encontrar a maneira mais efetiva e segura de modular
a função e a dinâmica mitocondrial na IC após IAM na sua fase inicial, representa
um potencial alvo terapêutico e um importante passo para o futuro das pesquisas
no tratamento das doenças cardiovasculares.