Uma das características distintivas dos estados liberais reside na salvaguarda da liberdade religiosa, um princípio solidamente estabelecido nas principais declarações de direitos. Uma área de concordância dentro do campo dos filósofos políticos liberais é a importância atribuída à liberdade para abraçar crenças, observar rituais religiosos, trocar de religião ou mesmo recusar a religião por completo. Opiniões divergentes entre os estudiosos liberais emergem, porém, quando se discute se os compromissos e práticas religiosas devem ser objeto de proteção legal específica por causa de sua natureza religiosa, ou se devem ser sujeitos a restrições legais por conta desse mesmo aspecto religioso. A resposta padrão das teorias igualitárias recentes, fortemente influenciadas pelo pensamento de John Rawls, foca na concepção de que, quando se trata de fundamentar decisões políticas e estruturar leis, a religião não é algo especial. O Estado deve proteger igualmente concepções religiosas e concepções não religiosas de bem, isto porque ele precisa ser neutro em relação às diversas concepções abrangentes. Os teóricos igualitários entendem que assim evitam fornecer ponderações sobre a importância da religião, ao mesmo tempo em que escapam da complexa questão de definir o que realmente constitui a religião. Cécile Laborde, em Liberalism’s Religion, entende que esta abordagem do liberalismo-igualitário possui lacunas importantes e que, por isso, é necessário aprofundar a compreensão sobre o lugar da religião nas democracias liberais. Para tanto, a autora oferece como saída a sua abordagem desagregativa da religião: não há, na religião, um valor singular, mas sim uma multiplicidade de valores relevantes, e nenhum destes pode ser exclusivamente atribuído à religião. Esta tese insere-se neste debate. Argumenta-se que essa abordagem transcende as limitações convencionais das teorias de liberdade religiosa, ao examinar a religião em suas múltiplas dimensões pertinentes para a compreensão de suas implicações éticas e políticas na esfera pública. A investigação se inicia explorando a história da liberdade religiosa, sua evolução em tratados internacionais e avança para a crítica à tese tradicional da secularização, em seu caráter teleológico. Esta crítica destacará a persistência da religião e de sua influência na sociedade. Teorias sobre a relação entre Estado e religião são examinadas, incluindo as abordagens igualitárias propostas por Eisgruber & Sager, Charles Taylor e Jocelyn Maclure, Martha Nussbaum e Ronald Dworkin. Laborde entende que nessas teorias já há, implícito, um processo de desagregação da religião. Em seguida, apresentamos a proposta de ‘laicidade mínima’ de Laborde, evidenciando questionamentos enfrentados pela autora desde as objeções dos teóricos críticos da religião às teses liberais. São elucidadas as quatro dimensões da laicidade mínima (o estado liberal deve ser justificável, inclusivo, limitado e democrático), junto com modelos hipotéticos de Estado autorizáveis do ponto de vista liberal (Secularia e Divinitia). Prossegue-se nas discussões sobre a compatibilização de isenções religiosas individuais e coletivas com um Estado liberal-igualitário, com destaque para a integridade como valor fundamental na abordagem de exceções legais às demandas religiosas. O capítulo conclusivo realiza uma avaliação crítica do pensamento de Laborde, expondo as principais objeções à sua abordagem de laicidade mínima. São identificadas potencialidades, fragilidades e limitações da teoria, com destaque para a ausência de debates sobre a sobreposição do poder político-econômico com o poder religioso. A abordagem desagregativa de Laborde é apresentada como promissora dentro do espectro das teorias liberais-igualitárias, oferecendo uma resposta aos desafios contemporâneos da coexistência entre visões religiosas e não-religiosas em sociedades pluralistas.