A presente tese tem como objetivo geral discutir em que medida se deu a consolidação da
propriedade moderna na Amazônia na transição do século XIX para o século XX. Para tanto,
tem-se como objeto de pesquisa o processo de gestão e destinação de terras públicas da Fazenda
Pinheiro para particulares, entre os anos de 1870 a 1916, operadas pela Província do Pará e pelo
Estado do Pará (pós-1891). Os objetivos específicos traçados são: a) compreender em que
medida se operou a consolidação da propriedade moderna no Brasil; b) examinar os aspectos
histórico-jurídicos que nortearam o processo de destacamento de terras públicas para
particulares na Fazenda Pinheiro; c) analisar o conteúdo, os instrumentos e os elementos
legitimadores das relações proprietárias reconhecidas nas concessões de títulos pela Província
e pelo Estado do Pará aos particulares beneficiados com lotes de terras da antiga Fazenda
Pinheiro (1870-1916). A hipótese norteadora da pesquisa era que o processo de titulação de
lotes de terras da antiga Fazenda Pinheiro a particulares, refletir-se-ia como experiência jurídica
local do processo de consolidação da propriedade moderna no Brasil. Quanto ao delineamento
metodológico, trata-se de pesquisa histórico-jurídica, de vertente empírica e com método de
abordagem hipotético-dedutivo. Baseando-se em perspectivas teóricas historiográfico-jurídicas
críticas quanto ao direito de propriedade, os dados foram coletados a partir pesquisa
bibliográfica e documental. Como fontes documentais tem-se: legislação imperial e estadual;
livros-talonários do acervo fundiário do Instituto de Terras do Pará (ITERPA); falas, relatórios
e mensagens da Presidência da Província do Pará e do Governo do Estado do Pará, dirigidos,
respectivamente, à Assembleia Legislativa Provincial e ao Congresso Legislativo Estadual;
jornais e periódicos de circulação local, contendo expedientes do governo provincial/estadual,
além de atas e discussões parlamentares; obras raras de direito civil e de direito administrativo
do séc. XIX. Em relação aos procedimentos metodológicos de interpretação e análise dos dados
coletados, a pesquisa configura-se como quanti-qualitativa, com a construção de banco de
dados, transcrições de documentos e análise de conteúdo. Tendo em vista os objetivos
específicos, a tese é estruturada em quatro seções: a) “O regime fundiário no Brasil e a Fazenda
Pinheiro: notas sobre o período colonial e o início do séc. XIX”; b) “Política imperial de terras
e as implicações histórico-jurídicas quanto às terras da Fazenda Pinheiro”; c) “As terras da
‘antiga’ Fazenda Pinheiro ao final do Império”; d) “O regime fundiário paraense e a destinação
das terras estaduais do Pinheiro na transição para o século XX (1891 a 1916). Ao final,
concluiu-se: a) os instrumentos jurídicos de gestão e de destinação de terras da antiga Fazenda
Pinheiro, especialmente até 1889, só pode ser compreendido sob a premissa de que a fazenda
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configurava-se como um “próprio provincial” e que, apesar da égide da Lei de Terras de 1850,
o caso possui especificidades próprias não só quanto aos instrumentos provinciais de
transferência de direitos de propriedade a particulares, como também ligados a disputas
políticas e ao controle do espaço locais; b) perceber a Província do Pará e o Estado do Pará
como sujeitos proprietários em relação às terras da Fazenda Pinheiro, confirma o que outros
estudos em história social da propriedade e história do direito de propriedade abordam: o
processo de consolidação da propriedade moderna no Brasil, para além do aspecto estritamente
jurídico do vínculo entre pessoas e terras, ignorou a realidade social e local. A leitura cuidadosa
dos dados indica que havia, para além da política oficial de transferência de terras pela Província
e pelo Estado do Pará, grupos sociais que ocupavam as matas, as olarias e as margens dos rios.
A falta de menção explícita e de reconhecimento jurídico às práticas sociais nas terras da antiga
Fazenda Pinheiro, indica que o processo analisado na presente tese, representa (mais) uma
experiência de negação das relações de propriedade coletiva dos povos amazônicos.