Este trabalho está inserido no âmbito dos estudos discursivos e tem como objetivo principal investigar como se constrói, pelo discurso, a imagem da mulher em processos crimes. Desse modo, parte do princípio de que a relação do sujeito com seu corpo – ou com os corpos – não he é transparente, e tem como foco de análise os Autos de Defloramento datados do início do século XX (QUEIROZ, 2018) e materialidades do século XXI (Revista Eletrônica Bahia Forense 2019, 2020). Buscando atender aos objetivos propostos, deslocamos aqui o sentido de hímen, como marca biológica da virgindade feminina, para inseri-lo dentro de um funcionamento histórico, regulado por uma memória discursiva, a qual ainda incide sobre a sexualidade feminina. Desse modo, ancorados no aporte teórico-metodológico da Análise de Discurso de linha francesa, do filósofo Michel Pêcheux (1990, 2009, 2010) e outros estudiosos da mesma vertente teórica que o referido autor: Eni Orlandi (2007, 2012, 2013), Freda Indursky (2009, 2011, 2013), Suzi Lagazy (1988), dentre outros, serão analisadas as formações discursivas e ideológicas acerca da mulher veiculadas nos referidos documentos, bem como o funcionamento da memória discursiva, observando-se como esses sujeitos são caracterizados discursivamente nesses processos. Para tanto, foram considerados os elementos sociais, as ideologias, a História, as condições de produção do discurso, tomando como base a ideia de que os discursos não são fixos, mas se modificam e acompanham as transformações sociais da humanidade, sendo, pois, constituídos na/pela História. Considerou-se também o fato de que a língua é opaca e não transparente, e de que não existe uma relação direta entre o signo e o referente. Assim, os gestos de leitura aqui realizados nos permitiram observar que corpo e sujeito estão imbricados no processo discursivo, de modo que o corpo significa, materializa-se e circula de diferentes maneiras a partir de diferentes significantes, sendo interpretado por sujeitos distintos e que ocupam diferentes lugares no discurso. Diante dos documentos analisados, pode-se dizer que as mulheres vítimas de crimes sexuais significam como maculadas e o espaço institucional jurídico em que são ouvidas pressupõe uma exposição pública de seus corpos. Além da carne, há a história, a ideologia e a subjetividade funcionando e fazendo circular efeitos de sentidos e possibilitando os dizeres. Os discursos recuperados sobre a virgindade e a subjetivação da mulher nos corpora analisados reafirmam determinadas construções sobre a sexualidade e o corpo femininos. Biologicamente, tem-se um corpo comum a todas as mulheres; ideologicamente, não. O discurso dominante da virilidade masculina e dos desejos sexuais aflorados do homem, assim como a culpabilização da mulher foram recuperados e atestam subjetivações distintas para homens e mulheres e seus respectivos corpos. Silenciadas também estiveram outras posições acerca da mulher, de modo que o silêncio imposto às vítimas faz ressoar posições que sustentam formações discursivas distintas, uma vez que trabalha no jogo da contradição de sentidos. De um lado, o discurso da lei; do outro, a vítima e o acusado. No meio, a política do silêncio fazendo-os significar.