A literatura de José Geraldo Vieira abordou questões de fundo moral, estando nisso a sua
característica mais marcante. Não obstante, parece ultrapassar as fronteiras da introspecção,
indo além da dimensão psicológica, expondo circunstâncias externas ao âmbito subjetivo e
tocando, tacitamente, esferas sociais. Partindo dessa noção, o escopo do presente estudo é a
construção da personagem ficcional Lúcia no romance modernista “A mulher que fugiu de
Sodoma”. Consideramos o vetor da influência bíblica expressa nessa representação literária
intimista e um enquadramento da figura feminina através da ilustração de seu papel social.
Qualitativa e de natureza bibliográfica, a pesquisa emprega um método de análise indutivo.
Começamos por um breve esboço acerca da constituição do modernismo atentando para as
principais características do movimento. Discutimos depois o “Romance de 30” no contexto
particular da ficção moderna brasileira, destacando suas duas tendências estético-temáticas.
Seguindo distinções usuais entre uma ficção neorrealista de orientação crítica e uma ficção
psicologista de teor católico, vemos, em panorâmica, a produção literária do modernista José
Geraldo Vieira, a qual é classificada nessa segunda categoria. Tratamos, na sequência, sobre
elementos literários da bíblia judaico-cristã e sobre os ecos de suas narrativas na literatura
secular, demonstrando exemplos de casos. Perante os indícios da influência bíblica em “A
mulher que fugiu de Sodoma”, visamos componentes imagéticos e linguísticos vertidos de
Gênesis 19 na narrativa romanesca. Em interface de pensamentos tradicionais e feministas,
revisamos, posteriormente, as condições históricas e culturais das mulheres no patriarcado,
ressaltando suas restrições e limitações, com atenção ainda para a concepção do casamento
enquanto contrato monogâmico vitalício condicionante da posição feminina. Nesse sentido,
examinamos o perfil da personagem literária no enredo do romance. Deduzimos que o retrato
da personagem Lúcia é construído a partir da alegoria envolvendo o termo “fuga”, e que sua
imagem reflete conduta e comportamento tipológicos, pois ela é idealizada contendo traços
morais e atitudes inspiradas nas do personagem bíblico Ló, sendo nesse ponto arquetípica.
Ademais, confirmamos que Lúcia é também uma entidade executora de uma tarefa social, à
medida que representa a mulher na função esponsal e simula, por conseguinte, o drama da
dissidência conjugal.