Na Análise de Discurso de vertente pecheutiana (AD), corpo e discurso andam muito próximos. Para a AD, o corpo surge estreitamente relacionado a novas formas de assujeitamento e, portanto, associado à noção de ideologia. Ele aparece como dispositivo de visualização, como modo de ver o sujeito, sua historicidade e a cultura que o constituem, trata-se, enfim, do corpo que olha e que se expõe ao olhar. Tomado como materialidade, ele significa e é sempre objeto de representação simbólica que contribuem para a construção identitária do sujeito. Foi a partir desses pressupostos que refleti sobre corpo da policial militar feminina nessa tese. Compreendi que esse corpo, para ser constituído, foi interpelado pelo discurso policial militar materializado nos regulamentos castrenses e transmitidos nos cursos de formação. Alicerçado nos fundamentos AD, o objetivo central do meu estudo foi compreender como se dava as
construções das representações de gênero na Polícia Militar da Bahia (PMBA), partindo do funcionamento da memória discursiva. Sendo assim, analisei os sentidos do corpodiscurso da policial militar feminina, a partir das seguintes materialidades: jornais, revistas, regulamentos e leis que retratavam o ingresso das primeiras mulheres naquela Corporação, fato que ocorreu nos anos 1990. Observei que para se tornarem policiais militares seus corpos foram fabricados, noção tomada de empréstimo dos estudos foucaultianos, a partir das normas que definiam o comportamento e a estética que deveriam adotar bem como, estabeleciam as punições para aquelas que se desviassem do padrão estabelecido. A arma e a farda foram cedidos às mulheres porém, o seu emprego se deu numa modalidade de policiamento específica: elas atendiam ocorrências que envolvessem crianças, idosos, gestantes e outras mulheres, ou seja, foram empregadas em atividades de caráter assistencialista. Observei ainda que, esses dizeres retornavam, e retomavam, os já-ditos, em um outro momento e lugar: as práticas atinentes ao primeiro pelotão de polícia feminina, criado em 1955, no estado de São Paulo. Durante o mapeamento dessa trajetória discursiva esbarrei no silenciamento sobre a existência de uma polícia feminina, criada em 1957, pelo então secretário de segurança Lafayette Coutinho, em solo baiano. A interdição desse saber, de certo modo, me permitiu realizar alguns gestos de interpretação: sua ligação a guarda civil, com atividades mais investigativas e o fato de ter sido comandado por mulheres, professoras, talvez tenha reforçado a sua interdição. Além disso, durante a pesquisa, as materialidades apontavam que a inserção de mulheres contribuiu, para o aumento de relacionamentos conjugais entre os pares. E dessas relações, passaram a existir casos de violência doméstica entre casais de militares. Refletindo sobre esse paradoxo, de que as mulheres seriam capacitadas para atender caso de violência doméstica, as quais também eram vítimas; analisei 05 (cinco) notícias veiculadas na Internet que noticiavam histórias de policiais femininas agredidas e mortas por seus (ex) companheiros. O resultado do gesto de interpretação foi o silenciamento das vítimas, que temiam a exposição no ambiente de trabalho e da própria legislação militar, que não abarcou os dispositivos legais que protegem as mulheres.