A presença de imagens em gêneros discursivos tem originado, na contemporaneidade,
pesquisas na área da linguagem sob o viés funcionalista, estendida à compreensão de que
imagens importam e significam tanto quanto textos verbais. Atreladas a isso, as tecnologias
digitais propiciam um infinito número de possibilidades de significar, utilizando cores, imagens
e outras estruturas visuais, razão pela qual a forma de ler também se desenvolve, motivada por
novas culturas, junto a novas linguagens. É nesse contexto que a multimodalidade (o estudo de
mais de um modo significante) se insere e embasa esta pesquisa, apoiada à teoria dos
Multiletramentos. Nesse viés, optamos por analisar tiras, delimitando como objetivo geral
investigar como a multimodalidade contribui para os debates de gênero e raça em tiras. As
narrativas quadrinísticas escolhidas para esta pesquisa têm por título Dona Isaura, cuja autoria
é do cartunista e ilustrador brasileiro Junião, e tratam da questão racial ligada às questões de
gênero, possuindo como protagonista uma senhora negra e feminista. Ademais, cabe ressaltar
que a seleção por este objeto de pesquisa ratifica-se pela singela quantidade de trabalhos de
conclusão de mestrado envolvendo as temáticas de raça e gênero em textos de caráter imagético.
Logo, para analisar nosso objeto, construímos a pesquisa mediante dois caminhos teóricometodológicos: um de análise visual, para tratar da materialidade imagética do gênero tira, e
outro voltado ao viés racial e feminista, característicos à personagem. Em relação à análise
imagética, escolhemos a Gramática do Design Visual (GDV), de Kress e van Leeuwen (2006),
como principal instrumento analítico, através da metafunção representacional. Em
consonância com o aporte da GDV, instauramos um diálogo entre o formato multimodal dos
textos e as implicações e competências leitoras advindas dessa integração entre linguagem
verbal e imagem, ancorando-nos pois, nos estudos dos Multiletramentos, com base em Rojo
(2009, 2012), Rojo e Moura (2019) e Kersch, Coscarelli e Cani (2016). As discussões relativas
à raça e gênero dialogam com os estudos de Ribeiro (2019), Gonzalez (1988) e Kilomba (2019),
pesquisadoras negras cujas pesquisas se situam na área do Feminismo negro. Considerando,
pois, que a gramática das imagens subsidia a análise de gêneros multimodais, caracterizamos
este estudo como descritivo, de método qualitativo, cujo corpus constitui-se de cinco tiras,
divididas entre a temática racial e a temática feminista. Como resultados, constatamos que a
constituição verbo-imagética do gênero tira contribui para a representação negra da
personagem, assim como os posicionamentos críticos da personagem constituem-se como
práticas de resistência negra e feminina, evidenciadas através da multimodalidade.