Esta pesquisa teve por objetivo atestar como máquinas de transporte, apresentadas como objetos de poesia, afirmaram a lírica moderna nos primeiros decênios do século XX, no âmbito da literatura nacional. A maquinaria de que trata o estudo reúne o bonde, o automóvel e o avião, todos os veículos em foco achados como núcleo de
registros líricos na única obra de poesia, publicada em vida, do autor potiguar Jorge Fernandes (1887-1953), nomeada Livro de poemas de Jorge Fernandes (2007). Lançada em 1927, a publicação citada foi uma expressão da lírica moderna no Rio Grande do Norte. Nesta localidade, a obra foi pioneira no que tange à junção da vertente artístico-cultural Modernismo com o gênero poesia, isso com fundamento no temário e na forma dos poemas constituintes do exemplar. Quanto à metodologia empregada no transcorrer deste estudo, foi efetuada uma pesquisa de natureza integralmente bibliográfica, com um acervo em torno da questão do Modernismo e da modernidade. Tal procedimento técnico envolveu, especialmente, a aplicação dos preceitos de Candido (2006), cuja perspectiva teórica determina, ao se analisar um poema, a leitura e a interpretação do experimento lírico, e, posteriormente, a formulação de comentários acerca da composição, estudando-a minuciosamente, tentando sondar as múltiplas significações provenientes do conteúdo e da configuração dos versos. A fortuna crítica abrangeu teóricos que trataram da poesia moderna desde um sentido mais amplo da nova estética (Andrade, 1963, 1971;
Andrade, 1974, 1990; Bosi, 2017; Bradbury, 1989; Candido, 2014; Friedrich, 1978;
Lynch, 1960; Melo Neto, 1998; Perrone, 1996, entre outros) até pesquisadores que se
debruçaram em maior grau sobre o cenário poético no Nordeste, com ênfase às letras
norte-rio-grandenses e ao poeta Jorge Fernandes (Alves, 2014, 2022; Araújo, 1995,
1997, 2022; Azevêdo, 1984; Cascudo, 1980, 2007, 2010; Gurgel, 2001; Silveira,
1987). Ao final desta pesquisa, o intuito é que tenha se tornado visível um lirismo
vanguardista, oriundo de uma obra ímpar de Jorge Fernandes, tal manuscrito tendo
sido mais uma expressão artística ao programa nacional do Modernismo em sua
primeira fase, tendência esta que, no princípio, tinha por finalidade a fusão do Brasil
pela integração das pessoas e dos elementos da cultura regional ao cânone brasileiro,
causando a ruptura do academicismo anterior ao Modernismo. Além de tudo, tornouse perceptível, no âmago de Livro de poemas de Jorge Fernandes, um entrecruzamento de perspectivas distintas, tais como a esfera da tradição e a da
modernidade. Esta última é representada pelos transportes mecânicos que
adentraram no sertão nordestino, já esse espaço, em processo de transição (de
província à cidade) no período, como símbolo de uma herança cultural anunciada
pelas máquinas na cidade.