O objetivo desta tese é contribuir para a agenda de constituição de corpora diacrônicos para estudo da história do português brasileiro, por meio de criterioso trabalho de natureza paleográfico-filológica, e realizar o estudo dos padrões de realização/omissão do artigo definido no sintagma possessivo, em textos brasileiros do século 18. A pesquisa situa-se no campo da Linguística Histórica, abrangendo as áreas de constituição de corpora diacrônicos – com a realização da edição semidiplomática de 93 manuscritos produzidos entre 1700 e 1791, por 11 Comissários do Santo Ofício, que nasceram e atuaram na Bahia –, de história social linguística, situando a amostra constituída na dinâmica de formação sócio-histórica das variedades do português brasileiro (PB), e de análise linguística, com a investigação da variação presença/ausência do artigo definido antes de pronome possessivo pré-nominal. A edição desenvolvida é do tipo conservador, foi pautada na segunda versão das normas de transcrição de manuscritos desenvolvidas pela equipe do Projeto Para História do Português Brasileiro (PHPB) e nas normas de edição utilizadas pela equipe do Memória & Arte (Lose, 2019) e tem como objetivo principal contribuir com novos dados para o estudo da história do português brasileiro colonial setecentista. A identificação sócio-biográfica dos scriptores – homens brancos, letrados e que adquiriram o português através de processos de transmissão linguística regular (Lucchesi; Baxter, 2009), tendo como input disponível para a aquisição dados mais próximos das variedades europeias do português – permite localizar a amostra constituída na vertente de formação das normas prestigiadas do PB. Assume-se, a partir da discussão proposta por Mattos e Silva (2004), que a variedade linguística refletida nos documentos editados sugere os contornos iniciais do que autora denomina de português culto brasileiro, que em sua proposta, começa a se definir na segunda metade do século 18, mas em lugar da expressão corrente variedade culta, a opção nesta tese é pelo uso da expressão variedade de clérigos brancos letrados da Bahia setecentista, em referência à variedade do português que se apresenta nos textos editados. A análise linguística tem caráter descritivo, segue os pressupostos de Linguística Histórica Sócio-Histórica (Mattos e Silva, 2008) e utiliza métodos quantitativos para processamento dos dados. Nessa investigação, especial atenção é dada ao condicionamento semântico dos usos do artigo diante de pronome possessivo nos dados examinados. Os resultados mostram que a realização do artigo definido no sintagma possessivo está relacionada, dentre outros aspectos, à definitude do possuidor. Assume-se que a noção semântica de definitude é melhor compreendida em termos de saliência dos referentes discursivos (von Heusinger, 2013). E para mensurar a saliência nos textos, adota-se o instrumental analítico na Teoria do Centramento (Walker; Iida; Cote, 1994; Grosz; Joshi; Weinstein, 1995).