Como objeto de estudo desta pesquisa, elegemos o romance Dois irmãos (2000), uma das principais obras de Hatoum, cuja fortuna crítica1 é comentada por Wander Melo Miranda na reedição lançada em 2022 pela Companhia das Letras, a qual diz que Hatoum possui a “tarefa minuciosa de recompor vozes silenciadas, gestos invisíveis, objetos em vias de desaparecimento ou perdidos para sempre” (Miranda, 2022, p. 270). A obra marca conflitos que perpassam não apenas as relações entre os gêmeos Yaqub e Omar, mas também afetam as demais personagens da narrativa, em especial Domingas e Nael. Neste estudo, pretendemos acompanhar a personagem Domingas, cuja história é marcada por negociações, gestos invisíveis e silenciamentos, a fim de compreender a representação da personagem no que se refere ao discurso e à subjetividade em sua constituição. Para alcançarmos esse propósito, interessa-nos compreender Dois irmãos à luz da Teoria do Romance de Bakhtin (1895-1975); observar como ocorrem as construções ideológicas, relações de poder e alteridade no contexto da temática do silenciamento feminino na obra; e por fim, analisar como a posição subalterna da personagem Domingas pode dialogar com os conceitos de subjetividade e alteridade de Bakhtin e do Círculo. Como base teórico-metodológica, fundamentamo-nos nos volumes I, II e III da Teoria do Romance, postulados elaborados por Bakhtin (1895-1975). Estes volumes exploram o romance como gênero literário, categorizando-o por meio da estilística, das formas do tempo e do cronotopo. No âmbito desses conceitos, destaca-se o dialogismo, sob ótica do heterodiscurso no romance, na construção da voz/das vozes do narrador-personagem, Nael, filho de Domingas. Essas premissas iniciais constituem o cerne do primeiro capítulo desta dissertação. No segundo capítulo, a pesquisa fundamenta-se nos conceitos de Volóchinov (1895-1936) acerca das construções ideológicas das personagens femininas, com destaque para Rânia, Lívia, Domingas e Zana. Além disso, embasamo-nos nos conceitos de relações de poder propostos por Foucault (1926-1984) e no conceito de alteridade bakhtiniana no contexto da temática do silenciamento que ecoam entre essas personagens. No terceiro capítulo, os conceitos bakhtinianos de alteridade e subjetividade constituem o cerne da fundamentação, a fim de compreendermos como a posição subalterna de Domingas ressoa na construção do discurso referente à personagem. Ainda, apoiaremos nossa abordagem em obras de Abdala Júnior (2016), Bhabha (1998), Butler (2011) e Spivak (2010). As conclusões almejam compreender que o silenciamento feminino através das personagens envolvem não apenas questões de gênero, mas também questões de relação de poder e de discursos hegemônicos nas relações sociais. Nesse contexto, podemos inferir que as vozes sociais e literárias se entrelaçam, incentivando-nos a explorar essas temáticas em textos acadêmicos.