A narrativa histórica oficial de um período não coincide sempre com as recordações de grupos e indivíduos. As guerras de memórias surgem nesse processo, quando o estado promove os silenciamentos para a constituição de uma história. A interface história-mídia-memória põe em perspectiva os meios de comunicação, que nunca estiveram em posições tão proeminentes nas sociedades como desde a última década do século passado, em consonância com as teorias da midiatização. Os jornais representam uma inscrição da realidade histórica de determinada época, uma espécie de rascunho da história e da memória coletiva. A memória também não possuía uma função tão preponderante e fulcral como nas sociedades midiatizadas, digitais e conectadas, refletindo até na produção do jornalismo digital. Uma investigação das guerras de memórias sobre a efeméride do cinquentenário do golpe nesse mais recente (ciber)espaço midiático se apresenta, portanto, com uma conjunção de fatores propícios, sobretudo tendo
como estudo de caso os especiais jornalísticos digitais. Para isso, evidenciamos as produções dos sites jornalísticos de veículos relevantes no período do golpe, como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, e de dois nativos digitais: portal G1, do maior grupo midiático do país, e o Último Segundo, setor jornalístico do portal iG, sem tradição no ramo da informação. O principal objetivo desta tese é avaliar de que maneira a mídia conduz à estabilização da história nos períodos e processos das guerras de memórias, em uma situação de midiatização e em um (ciber)espaço de novas configurações da mídia e da memória, tendo como base as
produções dos especiais do jornalismo digital sobre a efeméride dos 50 anos do golpe. Para isso, articulamos teórico-metodologicamente as guerras de memórias e as teorias da midiatização, com a exploração e a representação através dos métodos de observação e de descrição. Os especiais concebem o golpe e a ditadura militar como algo negativo e pernicioso para a história do país, embora o G1 e O Estado de S. Paulo apresentem um pouco
de complacência com os golpistas, ao utilizarem das críticas destes contra João Goulart e Leonel Brizola. Este veículo paulista foi o único que não produziu uma narrativa multimídia ao preferir uma hierarquia jornalística padrão. Os demais, contudo, trouxeram um tom mais didático e histórico, com fontes e referências ao final e com apresentação cronológica dos acontecimentos. Todos os quatro especiais possuíam documentos históricos em imagem,
áudio ou vídeo, com o Último Segundo sendo o único a não ter jornais históricos do período do golpe e da ditadura. Mesmo não fazendo parte de um grupo midiático, poderia trazer conteúdos jornalísticos históricos de outras empresas, como os demais. As guerras de memórias se evidenciaram, sobretudo, nas memórias individuais, que possuíam menos centralidade na narrativa e no discurso dos veículos, com exceção de O Estado de S. Paulo,
com uma produção que prezou pelas memórias individuais dos entrevistados, mesmo sem apresentar contradições.