A Comissão Nacional da Verdade realizou uma série de audiências na qual sujeitos que, enquanto crianças sofreram, direta ou indiretamente, com a ditadura militar, trazem à tona as suas lembranças sobre esse período da história.
Testemunhos importantes para a construção do trabalho de memória e verdade no processo de Justiça de Transição, os relatos desses sujeitos inscrevem as práticas de violações de direitos ocorridas no período da Ditadura, que não tiveram registros na história oficial sobre esse período. Tais crianças eram filhas ou filhos de militantes e
foram torturadas, exiladas e retiradas do convívio familiar, como forma de pressionar seus pais, prisioneiros políticos, a delatarem sobre as organizações que lutavam contra o Regime da época. Com base nesses depoimentos, a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação memória e verdade no processo de reparação política, instaurado pela Comissão Nacional da Verdade/Brasil, em testemunhos de crianças vítimas de violência durante a Ditadura Militar Brasileira. A análise permitiu uma cartografia das experiências desses sujeitos com a Ditadura Militar e a descrição e interpretação dessas experiências, para a construção ético-política desses sujeitos
e de suas relações com a verdade, como também, permite verificar de que forma o dever de memória, instituído como política pública, e, portanto, como efeito do biopoder, constituiu-se em um espaço para que a verdade sobre esse período revelasse a verdade das experiências vividas como radiografia da experiência histórica sobre o Estado de exceção. Para desenvolver a pesquisa, selecionou-se como corpus nove testemunhos do arquivo da CNV. Esses testemunhos, colhidos entre os anos de 2013 e 2014, são de crianças que sofreram violações de direitos na Ditadura. A pesquisa insere-se no campo da Análise do Discurso de tradição francesa, resgatando os conceitos de sujeito, formação discursiva, biopoder, parresía, verdade, dentre outros. Assim, observa-se que as experiências traumáticas vivenciadas por esses sujeitos contribuíram para a construção ético-política destes no presente e para a instauração da verdade, por meio da recontação da história, demonstrando, assim, quão importante é o papel da memória e do testemunho na construção da verdade dos sujeitos e de seus modos de subjetivação e, também, como a memória retorna do passado para inscrever uma nova história no presente, para que as violências da Ditadura não se repitam.