Esta pesquisa, vinculada à linha de pesquisa Práticas Docentes e Formação Profissional e ao Grupo de Pesquisa Contextos da Educação da Criança da Universidade do Vale do Itajaí, surgiu com a elaboração de uma Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica brasileira, na qual a Educação Infantil foi inclusa. Diante de várias versões do documento, questiona-se sobre as continuidades e as descontinuidades nas versões da BNCC. Dessa forma, propôs-se como objetivo geral analisar quais as continuidades e as descontinuidades nas versões da BNCC para a Educação Infantil. Para alcançá-lo, os objetivos específicos delineados foram: apresentar o contexto de influência na produção do texto das versões da BNCC; verificar as continuidades e as descontinuidades presentes no processo de construção do documento para a Educação Infantil; caracterizar qual o papel da brincadeira apresentado em cada versão da BNCC para essa etapa de ensino. A coleta e a análise dos dados ocorreram em duas fontes: as fontes primárias, definidas pelos documentos oficiais do Governo, mais especificamente no capítulo da Educação Infantil e nos elementos introdutórios de cada versão da BNCC; e as fontes secundárias, encontradas em sites, blogs e páginas de redes sociais na internet. A pesquisa fundamenta-se nas ideias de Ball (2011, 2014) e nos contextos de influência e de produção do texto da Abordagem do ciclo de políticas de Ball e Bowe, conforme Mainardes (2006), que apresenta os diversos contextos na elaboração e na aplicação de políticas públicas educacionais, servindo para a interpretação crítica do processo de formulação de políticas educacionais, baseado na análise do discurso de Foucault. Constatou-se que há uma rede de interesses econômicos e políticos em torno da BNCC e que o currículo brasileiro nas últimas versões da Base foi disputado por quatro grupos: os neoliberais, os neoconservadores, os populistas autoritários e um grupo composto por uma fração particular da classe média que compreende técnicos e outros profissionais comprometidos com as reformas na educação. A pesquisa mostra que não se está diante de um documento curricular construído de forma contínua e democrática como dizem os discursos do MEC e da Rede do Movimento pela Base. Ao longo dos capítulos, evidenciam-se as continuidades e as descontinuidades nas versões da BNCC para a Educação Infantil, tendo, cada versão, a intenção de formar um sujeito com uma determinada subjetividade. Os resultados apontam que a principal continuidade em todas as versões da BNCC foi a proposta de uma base curricular para a Educação Básica incluindo a Educação Infantil. Já, dentre as muitas descontinuidades, pode-se citar: a equipe de elaboração do documento; o papel do Movimento pela Base, que passa de apoiador nas primeiras versões a gerenciadores da Base na versão final; o endereçamento das capas das versões; os princípios orientadores das versões e a concepção de currículo para a Educação Infantil; a organização curricular da Educação Infantil; o papel da brincadeira. Na versão final, as descontinuidades apontadas mostram uma proposta curricular alinhada ao projeto de sociedade capitalista, com a subjetividade enunciada para a criança como empreendedora de si. Isso faz refletir sobre possibilidades de fuga e de construção de um caminho diferente, visto que professores são atores políticos capazes de tradução. São nessas linhas de fuga que se gesta a “Pedagogia do impossível”, de forma a marcar a perspectiva do olhar desta pesquisa e para além dela, de promover uma reflexão sobre a pedagogia e a infância. Nesse sentido, pensa-se na pedagogia como uma micropolítica que possibilite devires, que instaure a pedagogia como arte de viver; uma educação que encarne a criança porvir, a palavra porvir e o tempo porvir; uma escola preservada das demandas capitalistas, um lugar de tempo livre para a experiência de cada criança; uma criança que seja estudante, e não aluno, alguém que cultive a atenção, capaz de experiência e de pensamento; um professor que ignore as respostas e o caminho, mas que leve as crianças à sensibilidade e à experiência. Enfim, a resistência intencional é o que se propõe para os professores, que eles atuem nas políticas e não aceitem a dessubjetivação, a performatividade gerencialista.