Introdução: A infecção de corrente sanguínea (ICS) é uma das causas de maior morbimortalidade entre pessoas internadas em hospitais. Este estudo teve como objetivo avaliar as características epidemiológicas das ICS no município de Marília-SP, os principais agentes etiológicos e os fatores de risco associados à evolução e à qualidade de vida. Foi realizada uma pesquisa de coorte prospectiva, que acompanhou pacientes consecutivos hospitalizados com hemocultura (HMC) positiva e com quadro clínico compatível com sepse, internados no período de 31 de maio de 2017 a 30 de abril de 2018, em três hospitais de Marília. Os pacientes foram avaliados pelo Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), quick SOFA (qSOFA) e critérios de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), sendo seguidos até alta ou óbito. Resultados: Foram incluídos 409 pacientes, sendo 181 (44,7%) do Hospital de Clínicas, 83 (20,3%) do Hospital Beneficente Unimar e 143 (35,0%) da Santa Casa de Misericórdia de Marília. A maioria (55,7%) era do sexo masculino. A idade média, 63,1 ± 16,7 anos e 90,5% apresentavam comorbidades. A ICS foi considerada comunitária (ICS-C) em 46 (11,2%) pacientes, hospitalar (ICS-H) em 303 (74,1%) e, em 60 (14,7%) relacionada à assistência à saúde (ICS-RAS). A ICS foi classificada como primária (IPCS) em 149 (36,4%) casos e secundária em 260 (63,6%) pacientes, sendo que, em 100 (24,5%), a fonte da infecção foi pneumonia e, em 64 (15,7%), infecção do trato urinário. Duzentos e noventa e dois (71,4%) pacientes apresentaram qSOFA ≥ 2 e 405 (99,1%) tiveram dois ou mais critérios de SIRS presentes no momento do diagnóstico da ICS. Pacientes internados em UTI, tiveram média do escore APACHE II de 23,7 ± 10,3 pontos. Os bacilos gram-negativos (BGN) isolados, corresponderam a 270 (66,1%), destacando-se a Klebsiella spp. em 95 (23,3%) e Escherichia coli em 44 (10,8%); as bactérias gram-positivas (BGP) foram identificadas em 120 (29,3%) HMC, sendo que o Staphylococcus aureus correspondeu a 64 (15,6%) dos isolados. O tratamento antimicrobiano empírico foi adequado em 222 (54,3%), sendo que, em 115 (28,1%), teve que ser adequado à sensibilidade in vitro, principalmente nas ICS-RAS, em 21 (35,0%) pacientes. Cento e noventa e quatro (47,4%) pacientes desenvolveram outras infecções hospitalares (IH) durante a hospitalização. A mortalidade geral foi de 44,3% e não houve diferença em relação à origem da ICS (ICS-C, ICS-H ou ICS-RAS). Pacientes com idade ≥65 anos tiveram maior mortalidade (60,8% versus 39,2%, p=0,002), assim como pacientes com maior índice de comorbidade de Charlson ajustado pela idade (ICC-I) (95,3% versus 4,7%, p=0,087), com qSOFA ≥ 2 (83,8% versus 16,2%, p<0,0001), e SOFA (8,9 ± 4,3 versus 4,8 ± 3,8), e média de APACHE II mais elevado (25,8 ± 12,0 versus 22,3 ± 8,8), e os pacientes que evoluíram com choque (57,4% versus 42,6%) e, que desenvolveram ICS por BGN (57,4%), p=0,022. Foram identificadas variáveis independentes associadas ao óbito. Na análise de regressão logística, idade ≥65 anos (OR:1,79; IC95% 1,13 a 2,85), média do escore SOFA (OR:1,27; IC95% 1,20 a 1,35) e antibioticoterapia empírica inadequada (OR:1,56; IC95% 1,0 a 2,56) se associaram ao óbito.
Cento e um (24,7%) pacientes responderam ao questionário Medical outcomes 36-item short-form (SF-36). Apresentaram idade média de 57,8 ± 15,8 anos; a maioria dos pacientes apresentou comprometimento dos domínios aspectos físicos (14,1 ± 33,4), capacidade funcional (40,4 ± 32,8) e aspectos emocionais (17,2 ± 37,6). Conclusão: as ICS ocorreram mais em homens, idosos e com comorbidades. O qSOFA e critérios de SIRS foram adequados para identificar os pacientes com sepse. A mortalidade foi mais elevada entre os idosos, em pacientes com ICC-I elevado, quando o escore APACHE II e SOFA foram mais altos, na ocorrência de choque séptico, e quando os pacientes não receberam tratamento antimicrobiano empírico adequado. Pacientes com ICS desenvolveram outras IH. Há necessidade de se implementarem medidas educativas para o diagnóstico precoce de sepse/ICS, terapêutica antibiótica apropriada, que considere o perfil microbiológico e de sensibilidade dos pacientes hospitalizados na cidade de Marília, além de medidas de prevenção para reduzir as IH a que estão sujeitos estes pacientes, visando diminuir a mortalidade e o tempo de hospitalização. Pacientes com ICS apresentaram alteração na qualidade de vida tanto no componente físico quanto mental, reforçando ainda mais a necessidade de prevenção da ICS e de outras IH.