Introdução: Os hormônios tireoidianos exercem efeitos marcantes na fisiologia renal e tanto a
hiperfunção, quanto a hipofunção tireoidiana causam alterações na função renal. Em geral, o
hipertireoidismo franco (HiperF) associa-se ao aumento da taxa de filtração glomerular (TFG),
enquanto o hipotireoidismo franco (HF) ao declínio da TFG e o aumento da prevalência de
doença renal crônica (DRC). No entanto, os efeitos dos transtornos tireoidianos subclínicos na
função renal não são bem conhecidos, estudos populacionais são escassos e os resultados
divergentes. Objetivos: Investigar possíveis associações do estado funcional tireoidiano com a
função renal. População e Métodos: Estudo populacional de análise transversal, no qual toda a
população Nipo-Brasileira de Bauru foi convidada a participar. Foram incluídos 1110
indivíduos ≥ 30 anos, livres de doença tireoidiana ou uso de medicações que interferissem na
função tireoidiana. A TFG estimada (TFGe) foi calculada pela fórmula “Modification Diet in
Renal Disease” (MDRD). DRC foi definida como TFGe < 60 ml/min/1,73 m2. O estado
tireoidiano foi definido de acordo com os níveis de TSH e T4 livre. Resultados: O eutireoidismo
foi encontrado em 913 (82,3%) participantes, o hipotireoidismo subclínico (HSC) em 99
(8,7%), HF em 9 (0,8%), hipertireoidismo subclínico (HiperSC) em 69 (6,2%) e o HiperF em
20 (1,8%). Comparados aos indivíduos em eutireoidismo (119,2 ± 41,9 ml/min/1,73 m2), a
TFGe foi significativamente diferente apenas nos indivíduos com HiperF (166,6 ± 67,1
ml/min/1,73 m2; p ≤ 0,005), mas a prevalência de DRC foi diferente entre os grupos, com
tendência a ser maior nos estados de hipofunção e menor nos de hiperfunção (p=0,049). Os
níveis séricos medianos do TSH transformados em logaritmo (TSHlog) foram
significativamente maiores nos participantes com DRC comparados àqueles com função renal
normal (1,6 vs. 1,4 mU/L; p=0,002) e correlacionaram-se inversamente com a TFGe (! = -
0,133, p < 0,001) em modelo de regressão linear múltipla ajustado para idade, sexo e fatores de
confusão. O risco [Odds Ratio, OR (IC 95%)] de DRC foi significativamente maior nos
indivíduos com HSC comparados àqueles em eutireoidismo [2,26 (1,03 – 4,9; p = 0,041)]
ajustado para idade, sexo e múltiplos fatores de confusão. Em subanálise incluindo apenas os
indivíduos em eutireoidismo, a relação inversa entre os níveis séricos do TSHlog e a TFGe
persistiu significativa (! = -0,06, p < 0,004) e a prevalência DRC aumentou paralelamente aos
quartis normais do TSH sérico (p = 0,016). Comparados ao quartil 1, o risco de DRC foi
significativamente maior nos quartis 3 e 4 [3,17 (1,14 – 8,77, p = 0,026)] e [3,66 (1,52 – 8,76);
p = 0,004], respectivamente. Conclusão: Nesta população, os níveis séricos do TSH foram
inversamente relacionados à TFGe, mesmo dentro da faixa de normalidade. O HSC (comparado
ao eutireoidismo) e os níveis séricos mais elevados do TSH (nos participantes em
eutireoidismo), associaram-se significativamente com maior risco de DRC. Os dados sugerem
que os estados de hipofunção tireoidiana, mesmo modestos ou normal-baixos, afetam a função
renal, mas o desenho transversal deste estudo não permite relações de causalidade.