Na literatura fantástica, o evento da metamorfose tem confirmado a versatilidade do crível e
incrível, possível e impossível, familiar e estranho. Assim, assentada nesta natureza
prodigiosa de delinear o real, figurações amorfas desembocam em questões sobre a
transformação do corpo dos seres de papéis, realçando o seu estar no mundo e a sua relação
com o outro. Tais problemáticas constituem o ponto focal da presente pesquisa, cujo corpus
é composto por três contos de Murilo Rubião (1916-1991), “Bárbara”, “O homem do boné
cinzento” e “Petúnia”. Os dois primeiros foram publicados incialmente em O ex-mágico
(1947), o terceiro em O convidado (1974). Nos relatos, a metamorfose das personagens
sublinha a feição grotesca, alegórica e mítica dos enredos. Seguindo tal percurso reflexivo,
tenciona-se analisar as referidas narrativas à luz dos conceitos de fantástico formulado por
Ceserani (2006), Bessière (2009), David Roas (2014), Calvino (2004). Em vista da
aproximação do fantástico com a estética grotesca observada na ficção muriliana,
consideram-se relevantes as concepções teóricas de Hugo (2007), Bakhtin (1986), Kayser
(1987), entre outros autores. No que concerne à metamorfose como motivo literário, são
pertinentes os postulados de Silva (2001), Moraes (2012) e outros estudiosos. Acrescentese, ainda, a fortuna crítica do escritor sobre as referidas questões. Ademais, o estudo é de
cunho crítico-analítico, embasado na abordagem qualitativa e no método dedutivo. De um
modo geral, pode-se afirmar que nas narrativas a atmosfera inusitada, somada à
engenhosidade e ao efeito de sentido são aspectos decisivos para a compreensão da
metamorfose das personagens nos contos murilianos. Nesse sentido, os seres ficcionais se
transmutam ora em vegetais ora em objetos, em circunstâncias variadas. Também adquirem
formas híbridas, zoomórficas, inanimadas, monstruosas, diminutas, deformadas. Inclusive
desaparecem, morrem, reaparecem em outro formato; caraterísticas essas que realçam os
atributos estranhos e grotescos dos entes ficcionais que ousam romper com a cortina de
isolamento do mundo que os circundam, ao mesmo tempo se esbarram com o catastrófico,
com a flagelação.